quarta-feira, 16 de setembro de 2009

José dos lábios fechados



José é um daqueles seres que me dão medo, não porque sejam maus e perigosos ou de uma superioridade esmagadora, mas porque me parecem misteriosos como Deus. José, o homem dos lábios fechados, o homem do interior! Se ao menos tivesse dito alguma coisa, uma palavra, poderíamos talvez adivinhar o fundo da sua alma, o sentido da sua estranha vida. Ao invés nada, nunca nada, nem no momento da tempestade, do “temporal”, como dizem os nossos irmãos gregos, nem por ocasião do nascimento do Menino, nem em Jerusalém quando se apresentava ridiculamente com os dois pombinhos de nada que serviriam para resgatar o Cordeiro... Está simplesmente ali parado, com os grandes olhos doces e tranqüilos, ainda mais arregalados (ou talvez tanto quanto) daqueles de sua cara esposa, permanece a ouvir cantar o velho Simeão que está ali para morrer não tendo mais nenhuma razão para continuar do momento que vê... Nada no momento da fuga para o Egito e nada em Nazaré, nem quando o menino se perdeu. Depois, absolutamente mais nada... o desaparecimento total e definitivo na ponta dos pés, como os grandes tímidos que não querem que se lhes dê atenção, que se fale deles. Sim, tudo isto me dá muito que pensar!
As primeiras idades cristãs não buscaram quebrar este silêncio. Só Bernardo porá uma tímida pergunta: “Quis? Qualis?” “Quem é? Que homem é?” Nada mais. Precisa esperar
os tempos modernos para que se queira a todos os custos saber alguma coisa, se abra sem mais uma cátedra de “joseologia” (ficai tranqüilos: é no Canadá!). E José, apesar desse barulho estranho, indiscreto, não diz nada e não dirá nada, não fará revelações, permanecerá o homem dos lábios fechados, o homem do interior. Por quê, portanto, embrenhar-me a falar dele? Por quê não deixá-lo no seu silêncio, como deixo os peixes no mar? Depois de tudo, se isto lhe dá prazer, se deixa dizer e fazer sem abrir os lábios...
Mas não é dele que quero falar, nem espero que me fale. Quero somente contemplar o seu silêncio, envolver-me e impregnar-me a ponto de suplicá-lo de não dizer-nos absolutamente nunca nada, de não aparecer-nos nunca... José dos lábios fechados é o homem do interior; faz parte daquela coorte de silenciosos para os quais falar é perder tempo, é sobretudo trair o Intraduzível, o Inefável. Naturalmente, quando estas pessoas dizem qualquer coisa, arriscam de fazer tremer o mundo, como Santo Tomás de Aquino, aquele boi mudo da Sicília de quem gozavam os estudantes de Mestre Alberto na Universidade de Paris.
José dos lábios fechados é o homem que começa lá onde Jó termina, quero dizer que nasce com a mão sobre a boca. Tem um sentido enorme de Deus, do excesso do seu Ser e da sua loucura de amor. Não o vejo pedir explicações ao Inexplicável. A única vez na qual foi verdadeiramente ultrapassado, quis unicamente desaparecer, sem uma palavra: “Vai, minha amada”. O anjo de Deus simplesmente o sacudiu. Depois de tudo, José é um homem: “Não temas, portanto, de tomar Maria como esposa; o que nasceu nela vem do Espírito Santo” (Mt 1,20). Depois do retorno do Egito, José desaparece. Creiam-me: esta morte, este transitus do beato José não tem nada de triste. Não houve nenhuma declaração, nenhuma novíssima verba (novíssimas palavras) do momento que não tinham tido priora verba (primeiras palavras). O seu silêncio é o mesmo de Deus. É cheio da violência do Amor.

L.-A. Lassus, Pregare è una festa, pp.80-82
Traduzido do livro “Letture dei Giorni”, Piemme, pelo Pe Márcio Rigolin.